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Críticas

ANNA | Crítica (tardia) do Neófito

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A Guerra Fria acabou há quase 3 décadas, quando, em dezembro de 1991, foi oficialmente extinta a União Soviética.

Deu para escutar o suspiro de alívio da política internacional, pois, pelo menos temporariamente, a ameaça de um armagedon nuclear estava em suspenso, abrindo-se novos tempos para a sobrevivência da raça humana que, por diversas vezes, teve que cruzar os dedos para que as visões de mundo capitalista e socialista – discrepantes e maniqueístas entre si – não fizessem com que os líderes dessas respectivas visões “apertassem os botões”, que decretariam o fim de tudo o que existe.

(estranho observar como, atualmente, parece que há pessoas espalhadas e organizadas pelo mundo entregues a um nefando saudosismo desses tempos, buscando, a todo custo, reacender a polarização liberal-comunista em seus próprios quintais…)

Em contrapartida à diminuição do perigo atômico, a poderosa Hollywood perdeu um dos seus mais ricos enredos para filmes.

A década de 1980 – a mais “perigosa” da Guerra Fria, quando Ronald Reagan subiu à Presidência dos EUA e a URSS já começava a dar sinais de agonia – foi repleta de filmes que abordavam o conflito, sempre, claro, de ponto de vista pessimista e/ou dos “mocinhos” norte-americanos.

Raposa de Fogo (1982), O Dia Seguinte (1983), Jogos de Guerra (1983), Amanhecer Violento (1984), Rambo II e III (1985, 1988), Sol da Meia-Noite (1985), Rock IV (1985), Top Gun (1986), Inferno Vermelho (1988), Caçada ao Outubro Vermelho (1990) – e metade da franquia 007 – são apenas uns poucos exemplares icônicos do farto material cinematográfico criado a partir do conflito indireto entre os blocos econômicos representados pelos EUA e a URSS.

 Foto: Divulgação

Após o término do confronto, observa-se uma clara decadência dos grandes “heróis de ação” de Hollywood – Chuck Norris (Braddock), Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone (Rambo, Rock) – e a tendência a se investir em filmes com temática mais diversificada, afinal, não havia sentido continuar batendo num adversário derrotado e, naquele momento, bastante combalido (a Rússia iniciava um lento processo de soerguimento e reinvenção para se inserir no mundo novo que se abria após mais de 40 anos de conflito silencioso contra o capitalismo).

O primeiro filme da bem sucedida franquia Missão Impossível estrelada por Tom Cruise – direção de Brian De Palma (1996) – apresentou o vilão Jim Phelps, vivido por Jon Voight e cuja motivação era justamente o “vazio existencial” que o fim da Guerra Fria havia deixado nos agentes que, por anos, renunciaram às suas vidas pessoais pela espionagem. Esse “leitmotiv”, aliás, seria utilizado em outras obras do gênero.

Os vilões dos filmes de ação passaram a ter feições norte-coreanas ou árabes, preferencialmente… (o filme Amanhecer Violento, ícone hollywoodiano sobre a Guerra Fria ganhou um remake em 2013, no qual os russos da versão de 1984 são trocados pelos norte-coreanos)

Foto: Divulgação

Aos poucos, porém, Hollywood começou a revisitar o conflito silencioso entre as duas potências mundiais, surgindo filmes – ainda que sempre do ponto de vista norte americano – menos maniqueístas, como Treze Dias Que Abalaram o Mundo (2000), Boa Noite e Boa Sorte (2005), Jogos de Poder (2007), O Americano Tranquilo (2002), O Espião Que Sabia Demais (2011), Ponte dos Espiões (2015), Atômica (2017), Operação Red Sparrow (2018),entre outros.

Foto: Divulgação

Desde 1991 para cá, também, observou-se o surgimento da globalização, da internet, das redes sociais e, consequentemente, de uma mudança nos costumes, na sociologia e na antropologia mundiais. Segundo o falecido e saudoso sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017), vive-se, atualmente, o chamado “mundo líquido”, no qual as alterações são constantes, em ondas, e nada mais é definido e fixo. A liberdade pessoal é a maior que já se viu na história humana. Tudo é discutido e exposto: racismo, ecossistema, identidade de gênero, feminismo se tornaram pautas do dia, a ponto de despertar a mundial recente onda reacionária e conservadora em sentido contrário. Não há mais segurança acerca de nada! A maioria das profissões que nossos filhos terão daqui a alguns anos ainda nem sequer foi inventada!

Nesse ínterim histórico, o cineasta francês Luc Besson começa a despontar como uma opção criativa para o mundo cinematográfico com filmes instigantes como a ficção científica “cabeça”, O último combate (1981) e o quase drama Imensidão Azul (1988). Mas ele definitivamente chama a atenção de Hollywood com Nikita: Criada para Matar (1990, estrelado pela belíssima Anne Parillaud, posteriormente refilmado e transformado em série nos EUA) e O Profissional (1994, que revela Natalie Portman). Em seguida, emplaca, como diretor, o sucesso O Quinto Elemento (1997) e o controverso Joana d’Arc (1999). Posteriormente, passa a basicamente trabalhar nos argumentos, roteiros e produção de longas (sendo responsável, entre outras, pelas franquias Carga Explosiva e Busca Implacável, por exemplo).

Besson só voltaria a assumir a claquete com Angel-A (2005), seguindo-se algumas produções menos expressivas, até retornar com força total em Lucy (2014), contando com a “bomshell” Scarlett Johansson; e Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017), estrelado por Cara Delevingne (Esquadrão Suicida), Dane DeHaan (Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro) e contando com a participação de uma bela novata, a russa Sasha Luss como a exótica Princesa Lihö-Minaa (você já vai entender o porquê dela ser citada). A marca registrada do cinema de Besson é a ação explosiva, o visual cativante e algum conteúdo mais elaborado, o que acaba distanciando-o das produções simplesmente barulhentas e/ou pirotécnicas de um Michal Bay ou de um Jerry Bruckheimer, por exemplo.

Foto: Divulgação

Neste ano de 2019, Luc Besson – após o retumbante fracasso de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas – retorna para trás das câmeras com o fim de lançar o longa de ação e espionagem, Anna, no qual a mencionada Sasha Luss interpreta uma trágica “ninguém” de enorme potencial, que se vê quase que obrigada a se tornar uma agente assassina russa a serviço da URSS em pleno período da Guerra Fria.

Fascinado pela figura magnética e dedicada de Luss – que é realmente muito alta e bonita, apesar de incrivelmente magra, denotando sua origem como modelo – Besson põe sua lente a serviço da neófita atriz (logo em sua segunda empreitada cinematográfica sendo protagonista), que segura bem as pontas como uma viciada decadente, uma modelo requisitada, uma beldade irresistível, uma mulher frágil e sofredora e uma máquina de matar, seja de mãos limpas, seja com qualquer arma ou objeto que estiver ao seu alcance.

As coreografias de luta, inclusive, lembram muito uma mistura de John Wick com Viúva Negra, mostrando que Besson não tem vergonha de utilizar o que de melhor o cinema de ação tem apresentado na atualidade. São até poucas, para dizer a verdade, de tão competentemente filmadas que foram (com menção honrosa à cena do restaurante logo no início do segundo ato, que é simplesmente avassaladora!).

O interessante a se ressaltar é que Besson parece ter um fascínio por dirigir personagens femininas fortes: Lucy de Scarlett Johansson, no filme homônimo; Leeloo de Milla Jovovich, em O Quinto Elemento; a Angel-A de Rie Rasmussen, no filme de mesmo nome; Laureline de Cara Delevingne, em Valerian…, e, claro, a Nikita vivida por Anne Parillaud (que, em 1991, ganhou o César de melhor atriz por sua interpretação, bem como Luc Besson como melhor diretor e o prêmio de melhor filme).

Foto: Divulgação

Anna é mais uma personagem capaz de, no mesmo nível, ser extremamente feminina e altamente perigosa. De certa forma, aliás, o filme parece ser um Nikita “anabolizado”, haja vista a similaridade entre o enredo: mulher sem passado relevante ou perspectiva futura, cheia de potencial, flertando ou imersa no crime é recrutada pelo serviço secreto e treinada para se tornar uma assassina (isso não é spoiler, uma vez que o próprio trailer revela tal desenvolvimento). Aliás, pensando bem, Lucy também tem uma premissa parecida…

Olhando os aspectos técnicos do filme, Anna se destaca pelo orçamento digno de um diretor do porte de Luc Besson, aproveitado em tomadas externas belíssimas de Moscou, Paris e Nova York, além de muito luxo e glamour em certos cenários e uma cenografia altamente competente ao retratar a decadência dos apartamentos dos cidadãos russos da extinta União Soviética e das modelos da agência francesa tratadas com peças de engrenagem. Os efeitos visuais, as já mencionadas coreografias e a reconstrução de época também são irretorquíveis.

Os artistas coadjuvantes – Luke Evans (como o agente da KGB, Alex Tchenkov), Cillian Murphy (como o agente da CIA, Lenny Miller) e a diva Helen Mirren (como uma chefe de operações da KGB, Olga) – não precisam de muito esforço para dar vida aos seus unidimensionais personagens de apoio, com leve destaque para o sempre competente Cillian Murphy e, logicamente, para a elegância de Mirren. Todo o restante que aparece em tela serve apenas de bucha de canhão para a personagem principal bater, matar e encantar.

Foto: Divulgação

O que nos leva ao roteiro do longa.

Inventivo no sentido de ir e voltar no tempo, mostra-se, todavia, altamente previsível nas construções de suas reviravoltas, não conseguindo, apesar da diferenciada forma escolhida para contar a história, fugir a certos clichês dos filmes de ação.

Com o fito de contar com atores prestigiados, mas sem exigir deles uma exaustiva preparação para falar em russo, o filme começa bilíngue, oscilando entre o russo e o inglês de acordo com certas situações da trama, mas logo descamba sem qualquer pudor para o idioma do Tio Sam, mesmo no interior das instalações soviéticas! Helen Mirren, por exemplo, mesmo interpretando uma chefe de agentes soviéticas, não fala uma única palavra na língua de Dostoiévski em todo o longa!

A facilidade com que a heroína é escolhida para ser modelo (mesmo sem ter idade para isso!) e pelos alvos que deve eliminar é rapidamente conveniente e esquemática.

Mas, por se tratar de um filme de ação típico (diferente de Red Sparrow, por exemplo), acabamos por perdoar tais incoerências de roteiro, focando-nos nas cenas e na história de espionagem e, nesse sentido, Anna (o filme) não decepciona, sendo uma boa atualização da premissa de Nikita, uma boa trama envolvendo espiões da Guerra Fria e um bom exercício de desenvolvimento de personagem. Anna (a personagem) é complexa, possuindo algumas camadas, mas o esquematismo do roteiro acaba prejudicando sua construção. Tudo nela é muito “perfeito” (ao contrário da Nikita, ainda a melhor personagem feminina de Besson, na minha opinião): ela é muito bonita, muito inteligente, muito capaz, muito sedutora (com relação a homens e mulheres), muito mortal, ou seja, muito tudo. E a personagem chega a ser de um extremo egoísmo, tratando muito mal a única pessoa que realmente a ama e a ela se dedica incondicionalmente em toda a trama, sua “namorada de fachada”, Maud (Lera Abova), que acaba abandonada, ameaçada pela CIA e completamente sem um fechamento.

Foto: Divulgação

Por fim, Anna é uma boa diversão, um bom filme de ação/espionagem, que possui algumas pretensões artísticas que não chegam a ser plenamente concluídas, e ao mesmo tempo muito parecido com tanta coisa (Nikita, Red Sparrow, Atômica etc.), que quase chega a não ter personalidade própria.

Se você gosta de filmes da década de 1980, gosta de desligar o cérebro por duas horas, vê “comunistas” em todo canto, aprecia personagens femininas empoderadas e forte, ou tem “saudades” da Guerra Fria, vai adorar Anna. Se apenas quiser ver um filme divertido e bem realizado, vai gostar do longa. Se é mais exigente, talvez termine um tanto frustrado. Sugiro que incorpore o espírito da segunda opção!

Foto: Divulgação

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Nota: 3 / 5 (bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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