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Críticas

ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES: Um filme monstruoso de bom, feito e interpretado por monstros da sétima arte! | Crítica do Neófito

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Após as 3h30m de Assassinos da Lua das Flores – cujo nome remete a uma belíssima tradição/lenda da tribo indígena norte-americana Osage, acerca das flores que cobrem as campinas da região próxima a Oklahoma, onde ela se situa – consegui compreender a crítica tão acerba de Martin Scorsese aos tão badalados e atuais “filmes de super-heróis”.

Não que não haja um “q” de preconceito envolvendo a comparação entre “alta” e “baixa” culturas – no âmbito cinematográfico – nas críticas do inquestionavelmente gigantesco cineasta novaiorquino octogenário (mas em plena forma física e espiritual). Mas, ao assistir a este seu último filme (verdadeiro épico), percebe-se o quanto os filmes de super-heróis (e de fantasia, em geral) tomaram de assalto as salas de exibição, muito em razão de serem puro entretenimento em forma de espetáculo visual, altamente distrativos, potencialmente capazes de levarem famílias inteiras juntas aos cinemas, mas cujo alicerce acaba se voltando para lógica quase exclusiva do lucro, sem qualquer preocupação mais efetiva acerca da mensagem que tais obras possam passar para seu público.

Assassinos da Lua das Flores, por sua vez, é uma aula do que de melhor o cinema pode produzir, sendo um primor em sua forma e conteúdo.

Não há o que se questionar sobre a qualidade técnica do filme: qual o defeito na fotografia de Rodrigo Prieto, que colaborou com Scorsese em O Irlandês? Suas luzes, sombras, cores e enquadramentos são irretorquíveis!

Reconstrução de época? Soberba!

Figurinos? Impecáveis!

Montagem: espetacular!

Cenografia, mixagem, trilha sonora (focada nas músicas interioranas do Middle West norte-americano)… por mais que tenha procurado defeito nos aspectos técnicos da filmagem, este colunista confessa não ter encontrado! Se há algum erro de continuidade, não foi perceptível, talvez, graças à envolvente história real que é contada e à forma como é contada!

Foto: Divulgação (produção caprichada!)

A direção de Scorsese é cirúrgica! Possui os maneirismos tradicionais do cineasta – como a crueza e nenhuma glamourização no tratamento da violência, que não precisa ser cem por cento explícita para chocar, tanto que nenhum assassinato (afinal o nome e a base histórica real do filme indicam para isso) é mostrado em close; mas não há nenhum que não seja incômoda e realisticamente retratado – todavia, apesar dessa assinatura autoral, a câmera do diretor sempre é posta a serviço da história e não o contrário (ou seja, uma história que sirva para o cineasta mostrar seu virtuosismo).

Essa tese acima é facilmente comprovada quando se percebe que, apesar de não se tratar de um “filme de ação” (mas um true crime), Scorsese consegue manter um ritmo ágil e intenso o filme quase todo (à exceção de um ligeiro trecho na transição entre os segundo e terceiros atos), fazendo com que coisas aconteçam o tempo todo nas suas três horas e meia de duração, sem que o espectador consiga – mesmo que queira muito – sentir-se entediado. O que nos remete, também, aos méritos do roteiro, capaz de condensar as quase 400 páginas do livro que lhe serve de inspiração – de autoria de David Grann – num apanhado de cenas antológicas, muito bem concatenadas e dinâmicas. Nada, ali, é supérfluo. Toda cena e cada diálogo têm função narrativa.

Scorsese também faz ótimo uso das angulações de câmera possíveis, bem como na construção de cenas por diferentes técnicas, passando do plano aberto ao close; dos cortes rápidos às tomadas mais longas e contemplativas; e, até mesmo, apelando para um pequeno plano sequência, levado a efeito dentro da casa dos Burkhart’s, utilizado para mostrar o dinamismo de uma família reunida para um almoço.

E, já que citamos indiretamente a família Burkhart, importantíssimo dizer que ela é formada pelo patriarca Ernest (Leonardo DiCaprio, espetacular), ex-militar da Primeira Guerra Mundial, que se casa com a indígena Mollie (Lily Gladstone: deusa absoluta), tendo, com ela, três filhos pequenos. Mollie, por sua vez, vem de uma família Osage formada pela mãe, Lizzie Q (Tantoo Cardinal), e mais duas irmãs: Anna Brown (Cara Jade Myers), e Minnie (Jillian Dion). E ela é muito rica!

Foto: Divulgação (as indígenas ricas e coloridas, abaixo das brancas pobres e descoloridas! Sutilezas)

Riqueza, esta, oriunda do acaso da descoberta de várias e fartas jazidas de petróleo nas terras indígenas dos Osage, que tornou o povo desta tribo nas pessoas mais ricas dos EUA, naquele período.

Evidentemente, todo este dinheiro, jorrando na Terra da Oportunidade, atraiu a ambição, a cobiça e a ganância do homem branco, bem como sua enorme capacidade de violência e crime, na busca desenfreada pelo enriquecimento (com altas doses de preconceito e racismo, também). Muitos aportaram naquelas terras para ganhar a vida honestamente; alguns foram na esperança de também serem agraciados com a descoberta do ouro negro; e outros tantos se mostravam dispostos a qualquer coisa para ficarem ricos, aproveitando-se dos indígenas ali presentes, ou bem mais ricos do que já eram, escondendo, na intimidade, um vergonhoso senso de superioridade branca sobre os vermelhos, tanto em termos de raça, quanto em termos de cultura (não à toa, a Ku Klux Klan é mencionada quase como metáfora, junto com a referência ao Massacre de Tulsa, no qual negros norte-americanos foram mortos e feridos na casa das centenas; injustamente presos aos milhares, em razão do covarde ataque de pessoas brancas, em 1921, à comunidade de Greenwood, também em Oklahoma, então conhecida como a “Wall Street Negra”; como assim, pretos poderiam ser mais bem-sucedidos que brancos?).

No caso dos personagens do filme, Ernest se enquadra no caso dos que queriam, a todo custo, enriquecer e viver boa vida, sem medir bem as consequências de seus atos para alcançar tais objetivos; enquanto William Hale (Robert De Niro, fenomenal), aparentemente um rico pecuarista sem qualquer interesse em petróleo, representa tudo de ruim que a humanidade é capaz de produzir em termos de pessoa gananciosa: frio, falso, calculista, carismático, autoritário, preconceituoso… tudo isso embalado numa carapaça de gentileza, de “amigo dos índios”, de homem de negócios, de religioso devotado, mas que gosta de ser “humildemente” chamado de “king” (qualquer semelhança com líderes de extrema-direita atuais, não é mera coincidência).

Acostumado a lidar com personagens mafiosos, Scorsese sabe, como poucos, retratar gente escroque que, na superfície, é dotada de desenvoltura, carisma e capaz de se dicotomizar entre o típico homem de família e o frio assassino. Trabalhando com dois de seus atores preferidos (De Niro e DiCaprio), o diretor nada de braçada na composição de tipos complexos, ainda que arquetípicos.

A crítica ao substrato da formação cultural norte-americana – consubstanciado no “american dream”, no “american way of life”, no “self made man” etc. – bem como na base protestante neopentecostal – que defende, como um dos sinais da salvação, a conquista da riqueza material – é contundente (apesar de alguns personagens se afirmarem católicos). A falácia cristã de se colocar nas mãos de Deus o poder sobre a vida e a morte, enquanto “certas” mãos humanas seriam o instrumento disso, chega a causar arrepios, principalmente quando formuladas – até com “ardor religioso” – por William Hale (De Niro). Arranha-se, também, a face do Capitalismo selvagem de molde ultraliberal, levado a efeito, nos EUA, no período entre primeira e segunda guerras (o que gerou o crack da bolsa novaiorquina em 1929, por exemplo); afinal, todos os crimes perpetrados contra os Osage’s – que, lembrem-se: realmente aconteceram! – foram motivados e justificados pelo “sagrado” direito à livre e desregrada ambição (“pegue o que e o quanto quiser, da maneira que puder”).

Foto: Divulgação (lobo em pele de cordeiro…)

Não há muito mais o que se possa dizer de Assassinos da Lua das Flores sem spoilers, a não ser que se trata de uma experiência cinematográfica única, uma aula de cinema, uma produção repleta de paixão e beleza, recheada de esmero nos mínimos detalhes e eivada de interpretações soberbas.

DiCaprio constrói um Ernest incrivelmente dúbio, de quem se tem profunda raiva e, paradoxalmente, torce-se por sua remissão. Um sujeito mesquinho, malandro, ganancioso e preguiçoso, mas, ao mesmo tempo, incrivelmente honesto no seu amor pela esposa e filhos. Fiel ao tio (Hale) que lhe oportunizou – mesmo sendo inepto – uma vida digna e de certa opulência e conforto, é capaz de, ao mesmo tempo, amar sua mulher com paixão e a fazer sofrer das mais variadas maneiras. A primeira metade do filme é toda dele, retomando o protagonismo numa cena de julgamento perto do final – num close quase sem cortes – que é antológica.

De Niro dispensa apresentações. Mas a performance que entrega, aos 80 anos, é impressionante. Sua presença em tela, principalmente na segunda metade do longa, é onipresente. Ao contrário de em O Irlandês, na qual a debilidade física da idade é mal disfarçada em algumas cenas, em Assassinos da Lua das Flores, seu porte impressiona pelo vigor e virilidade misógina. Com um olhar, ele é capaz de transmitir todo o preconceito disfarçado que seu personagem carrega consigo (como na cena em que Ernest anuncia, na mesa de jantar, a terceira gravidez de Mollie). A hipocrisia e o cinismo de alguém completamente sem ética, mas coberto de verniz social, foram feitos na medida para a interpretação do veteraníssimo e multipremiado ator.

Foto: Divulgação (o “rei” enfrentando a lei dos homens)

Mas, não há como não dedicar algumas linhas especiais à Lily Gladstone. Ela é linda; hipnótica; uma força da natureza; capaz de transmitir verdade em cada gesto, olhar, silêncio ou diálogo. Rivaliza em pé de igualdade com os experientes De Niro e DiCaprio, também nas suas melhores formas. O sofrimento de sua personagem é físico, espiritual e mental; e a estreante atriz passa tudo isso com uma naturalidade desconcertante.

Foto: Divulgação (nasce uma estrela)

Brendan Fraser faz uma ponta, sem ter muito o que mostrar, bem como John Lithgow, sem qualquer destaque digno de nota.

O terceiro e último arco, no qual surge o FBI para esclarecer os crimes que mataram dezenas de Osage’s, traz para tela o simpático Jesse Plemons (na pele do agente Tom White), com poucas cenas, mas saindo-se bem.

Pode-se até dizer que Scorsese acaba sendo condescendente com os EUA neste último terço de sua bela produção, mas, é preciso lembrar que a trama apresentada se trata de um caso real, no qual a instituição judiciária do país, após a competente investigação do FBI, foi, de fato, bem-sucedida.

Em resumo: que filme, tripulantes!

Vale muito seu ingresso, quatro horas de sua vida, o estacionamento mais caro do shopping e até um baldão de pipoca (que se comerá de nervoso).

Para coroar, ao invés daqueles tão batidos letreiros que explicam o destino real dos personagens ao final do filme, Scorsese prefere mostrar o simulacro de um programa de rádio ao vivo sobre true crime – com direito a auditório e sonoplastia – no qual se narra, com uma surpresa final, como cada pessoa daquele drama real de crime e ganância terminou sua vida. Magnífico.

Foto: Divulgação (criatura e criador)


Nota: 5 / 5 (perfeito)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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