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Críticas

MALDIVAS | Parece norte-americano, mas não é! — Crítica do Neófito

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Na minha juventude de classe baixa na periferia de Belo Horizonte, o sonho comum das famílias que ali moravam era passar férias no Espírito Santo, preferencialmente em Guarapari e, para os mais “afortunados”, gozar alguns dias em Porto Seguro.

Até hoje, muitos integrantes das classes baixa, média-baixa e média acalentam metas de conseguir financiar na CVC um pacote de avião-hospedagem-traslado para as praias do Nordeste, quiçá, em hotéis all inclusive.

Já os emergentes e artistas de toda ordem costumam ambicionar uma obrigatória temporada de regalias nos paradisíacos hotéis das Ilhas Maldivas, por sua vez, situadas em maravilhoso arquipélago de ilhotas em formato de anel em trecho de mar extremamente azul do Oceano Índico, que, na verdade, constituem um país – República das Maldivas – com capital em Malé.

Piscinas com borda infinita, bangalôs em forma de palafitas sofisticadas com acesso direto ao mar, água translúcida e calma, repleta de fauna e flora marinha, ideal para mergulho e fotos aquáticas de cair o queixo, tudo isso por diárias que giram em torno de cinco mil reais. Postar momentos ali passados nas redes sociais é sinal de sofisticação, sucesso e glamour.

Foto: alguns dos bangalôs do arquipélago das Maldivas: eita vidinha mais ou menos…

Não é à toa, portanto, que o fictício condomínio carioca situado na Barra da Tijuca, que dá nome à mais nova produção nacional seriada da Netflix é justamente Maldivas, numa clara referência ao status social que as citadas ilhas representam e que os – em essência, nada glamourosos – moradores  do referido condomínio insistem em querer transmitir.

Trata-se claramente de caricatura, proposta como forte crítica à pequena e barulhenta parcela da sociedade nacional, repleta de subcelebridades, de pequenos corruptores e corruptos, de gente que vive da aparência acima de tudo e que se dispõe a “fazer qualquer negócio” para se manter naquele patamar.

Justamente pelo seu caráter caricato, o roteiro da multi-artista e talentosa Natália Klein (que interpreta a divertida personagem Verônica, além de ser a narradora da história) não precisa se preocupar muito em fugir dos estereótipos colocados em tela. Desse modo, somos apresentados às “rainhas do Maldivas”, que praticamente passam a vida no interior “das grades do condomínio” – preferencialmente na piscina, após a abertura do bar – na pessoa da alcóolatra e questionadora Patrícia Duque (Vanessa Gerbelli); da fútil Milene (Manu Gavassi), literalmente presa ao seu cargo de síndica, às perigosas chantagens do perigoso Capitão Rafael (Alejandro Claveaux), e ao falido (mas aparentemente perfeito) casamento com o cirurgião plástico Victor Hugo (Klebber Toledo); à ex-integrante de banda de axé Rayssa (Sheron Menezzes), que hoje forma o “casal-empresa” com seu ex-companheiro de banda Cauã (Samuel Melo); e à dedicada esposa e mãe de família Kat (Carol Castro), cujo marido, Gustavo (Guilherme Winter) cumpre prisão domiciliar por corrupção ativa.

Foto: Divulgação (o elenco de “rainhas” e “príncipes” de Maldivas! Haja rosa!)

Vindo por fora, surge a misteriosa Liz (Bruna Marquezine), neta da poderosa fazendeira goiana Joana (Ângela Vieira) e noiva do belo cowboy Miguel (Rick Tavares), que aparece no Maldivas justamente na hora em que ocorre o brutal crime de assassinato contra Patrícia, supostamente a mãe que teria abandonado Liz há dezoito anos.

O crime introduz na trama os detetives Habacuque (Marcelo Várzea) e Denilson (Enzo Romani), que vão mexer nas entranhas das fachadas de casamentos perfeitos e felizes, de famílias estruturadas e de sofisticação daquele condomínio de luxo.

A partir daí, vamos acompanhando às bem-humoradas desventuras daquelas mulheres, com toques de mistério policial e algum drama, tudo embalado numa estética que emula (muito!) os programas norte-americanos (talvez buscando maior penetração no mercado internacional). As séries similares ou de inspiração direta que vêm imediatamente à mente são White Lines e The White Lotus, também produzidas pela Netflix, que também apresentam histórias que envolvem um crime misterioso, locações praianas paradisíacas e subtexto crítico à classe alta e ao próprio fetiche capitalista.

Em Maldivas, os personagens são todos belíssimos, com especial atenção aos “galãs”, irremediavelmente bonitos e com corpos saradíssimos (fato que, inclusive, será alvo de piada a certa altura da história). As mulheres são lindíssimas, apesar de bastante caricaturadas: repletas de bijuterias enormes e chamativas, penteados extravagantes (repare nas luzes pouco cuidadas de Kat), roupas provocantes (decotes bastante generosos em quase todas) e maquiagem carregadíssima (principalmente Milene).

Marquezine, aliás, moldou-se física e mentalmente para ficar cada vez mais parecida com as anoréxicas atrizes estadunidenses, o que já lhe rendeu dividendos, como o papel de par romântico de Xolo Maridueña (o Miguel, de Cobra Kai), protagonista do filme sobre o super-herói Besouro Azul, da DC. Em Maldivas, a indubitavelmente talentosa ex-atriz mirim, ex-Neymar e símbolo sexual precoce, na busca por explicações acerca de seu passado e do assassinato da mãe que a abandonou, vai se embrenhar no meio das rainhas do Maldivas e em investigação própria à margem da realizada pela polícia para tentar solucionar tanto o crime, quanto seus traumas de longa data (ainda que, para isso, precise quase matar uma criança alérgica!).

A trama policialesca é bem básica, mas, a princípio, é instigante o suficiente para prender o interesse do espectador, mas algumas coisas são bastante óbvias, bastando ter assistido ao filme Imperdoável (2021, Netflix) para rapidamente entender certas coisas do enredo.

Foto: Divulgação (trama complexa… só que nem tanto!)

Na verdade, o roteiro é bastante esquemático e pouco atento a detalhes, seduzindo mais pela construção das histórias e personagens realmente interessantes (defendidas com esmero por suas dedicadas intérpretes) do que por sua elaboração e reviravoltas. Há vários pequenos furos e arcos deixados em aberto que até podem indicar ganchos para uma segunda temporada, mas, em verdade, parecem mesmo terem sido deixados de lado ou esquecidos.

O tom da série também sofre um pouco com as oscilações entre o humor e o drama. Marquezine, como sempre, consegue derramar lágrimas com extrema naturalidade – como poucas atrizes do mundo! – mas, em alguns momentos, o choro dolorosamente sofrido da personagem chega a destoar da atmosfera claramente satírica do programa. A atriz evidentemente ainda não conseguiu se mostrar à vontade e com bom timing para a comédia.

A direção de arte é muito boa, ajudando a contar a história, bem como a cenografia, muito bem pensada. Note como, apesar de se tratar de um condomínio de luxo, a garagem – onde as negociatas são feitas – está sempre vazia e com poucos carros de luxo (metáfora de que no “fundo” ou “profundezas” todos têm podres a serem explorados), e os apartamentos, quase sempre mostrados em planos fechados – em contraste com as tomadas abertas e solares do exterior do condomínio – invariavelmente possuem atmosfera opressiva, sendo pequenos e apertados, obrigando seus moradores a indesejavelmente se esbarrarem, naquela ideia de “pombal humano”, em boa tirada narrativa do diretor José Alvarenga Júnior.

 

A fotografia e figurino também acertam ao comporem luzes e cores direcionadas para personagens em específico, como Patrícia, quase sempre vestida de roupas escuras e envolta em luzes vermelhas, referência à vida permeada de segredos (tons escuros) e violência (vermelho). Já Rayssa – belíssima personagem a cargo de Sheron Menezzes – costuma estar cercada de cores neons, que traduz o apego ao seu passado de sucesso. Verônica está sempre permeada de tons escuros, vivendo num apartamento que parece mais um velho sobrado de bairro tradicional. Nas tomadas externas, porém, há predominância de cores quentes, transmitindo a ideia de calor, verão, tensão e emergência.

Por fim, apesar da trama fundamentalmente tocar em temas adultos como extorsão, assassinato, sexualidade, infidelidade etc., o tratamento recebido é pudico, como cenas de sexo – inclusive (e bem-vindas) homoafetivas – contidas, engraçadas e comportadas (os beijos dos personagens Guta e Tadeu, respectivamente interpretados por Julia Dalavia e José Loreto, na atual novela Pantanal, da Rede Globo, são muito mais lascivos do que qualquer cena da série em comento).

O que importa mesmo é que a série é muito fácil de se assistir, com ótimas interpretações, sete episódios curtos com trama ágil e coerente (apesar de algumas ‘forçações’ de barra, como o fato de Liz ter cursado “perícia forense”, do condomínio faturar quantias de dinheiro tão grandes a ponto de permitir corrupção sistemática, e de onde vem o dinheiro para a protagonista se sustentar, por exemplo) e com boa crítica ao vazio que permeia a cultura social contemporânea, focada em parecer mais do que em ser.

Pode parecer um pouco de filosofia de botequim, mas é sempre bom refletir sobre esse estado de coisas atuais, na fragilidade das classes privilegiadas em sustentarem sua posição de aparente superioridade, ao ponto de manterem segurança armada no interior do condomínio e justificar a corrupção em nome da criação dos filhos (mostrada na ficção da série), ou que as fazem dizer, na vida real, que ir para Nova Iorque ou Paris “perdeu a graça”, diante do perigo de “dar de cara com o porteiro do seu prédio” lá (não é mesmo Danuza Leão?).

Um salve final, portanto, aos inspirados versos do saudoso Marcelo Yuca, um dos fundadores do Rappa, quando disse, na bela canção Minha Alma Warner Chappel Music):

 

“As grades do condomínio são para trazer proteção / Mas também trazem a dúvida se é você que ‘tá nessa prisão / Me abrace e me dê um beijo / Faça um filho comigo / Mas não me deixe sentar na poltrona no dia de domingo, domingo / Procurando novas drogas de aluguel / Nesse vídeo coagido / É pela paz que eu não quero seguir admitindo”

Boa viagem nerd nesta competente produção nacional.

Foto: Divulgação (abre o olho, menina!)


Nota: 3,5 / 5 (muito boa)

 


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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